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Eu já fuji do Natal, já tive de retirar alguém do Natal. Já senti aversão ao Natal e tive medo da tristeza que esta época iria provocar em mim e ao meu redor.
Resumindo: eu já fui o Grinch.
O Natal não é só luzes, árvores, presentes, decorações e música. O Natal é muito mais que isso: é família, é amor, tradição, espírito, fé e alegria. É a “família toda à mesa“.
Naquele ano não suportava essa descrição – doíam-me os ouvidos de cada vez que a ouvia -, nem aguentava as conversas sobre os planos e a azáfama, não suportava o espírito e não suportava, sobretudo, o sofrimento que aquela cadeira vazia ia causar.
Para proteger a M. decidi que nesse ano não haveria Natal. Aliás, nunca mais haveria Natal. As decorações permaneceriam nas suas caixas, a árvore não veria a luz do dia, não haveria prendas, para além dos anjinhos de Natal do Exército de Salvação, e iríamos para longe, logo no dia 23, para uma aldeia no meio do nada, só nós. Íamos fugir do Natal.
E assim foi.
Mais ou menos.
Logo no primeiro dia travámos conhecimento com outra família de fugitivos, também eles não imaginavam voltar a passar o Natal em casa, com uma cadeira vazia. E fomos encontrando outros e outros, todos a fugir do Natal, a tentar esquecer que era Natal ou a não ligar nenhuma ao Natal. Não éramos os únicos.
Isso tocou-me, mas não dei grande importância.
No dia 24 à noite fomos jantar. Olhei à minha volta e vi aquelas pessoas todas, uma sala cheia de gente, a viverem o seu Natal longe das suas casas, numa aldeia no meio de nenhures, sem árvores enfeitadas, sem presentes, sem decorações, muitas, provavelmente, tentando esquecer que era Natal. Olhei para a nossa mesa, para a minha pequena enorme família e percebi que o Natal estava ali. Tinha sempre estado ali.
Não precisávamos de mais nada, era Natal, como nos outros dias todos. E essa constatação abateu-se sobre mim com uma clareza brutal, como um sinal ou qualquer coisa assim. E eu não parava de pensar “como é nunca percebi isto?” enquanto escondia as lágrimas que me escorriam pela cara…
Eu tinha percebido o que era o Natal.
Saint Exupery ensinou-nos que “o essencial é invisível ao olhos”. Nessa noite eu percebi, nitidamente, como isso é verdade.
Tínhamos fugido do Natal, mas só escapáramos das luzes, das prendas, da azáfama, da árvore, dos enfeites e dos telefonemas e mensagens. Mas o mais importante tínhamos levado, sem perceber. O espírito do Natal estava ali. E estava na rua, no frio, estava na neve que caía e na enorme fogueira que começara a crepitar já próximo da meia noite.
PA.
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