Foi há um ano que saí de casa sem máscara pela última vez. Um dia depois de a Organização Mundial de Saúde ter declarado a pandemia.
Na tarde dessa sexta-feira, quando fechei a porta de casa, não sabia que iria estar quase dois meses inteiros sem por o pé na rua.
Também não fazia ideia que iria estar mais de um ano sem ver a maioria dos meus amigos e familiares sem ser através das vídeochamadas que se instalariam como uma constante da vida neste ano tão estranho, tão diferente de tudo o que conhecíamos.
Um ano depois, e novamente em confinamento, ainda é confuso olhar para esse dia 13 de Março de 2020. Era sexta-feira, mas ninguém falava dos planos para o fim de semana. Era um dia de sol, mas havia no ar um nevoeiro de incerteza e de medo do desconhecido. No escritório, a atmosfera normal de descontracção tinha dado a lugar a caras preocupadas e as conversas mundanas giravam agora à volta de um inimigo comum invisível e pernicioso, do qual se sabia muito pouco.
Na tarde dessa sexta-feira tomei, sem nenhuma consciência disso, aquele que seria durante muito tempo, o último café com os meus colegas. Um velho hábito que se juntou a todas as pequenas (e grandes) coisas que a pandemia levou.
Um ano! Passou um ano. Um ano completamente disruptivo. Um ano sem festas, de fronteiras fechadas e cidades adormecidas, um ano cheio de confinamentos e de àlcool gel, um ano de afastamentos, de contabilizações atrozes todos os dias.
Um ano depois, voltamos a estar confinados em nossas casas. Um país, um Mundo, fechado à espera da Primavera…
O que sobrou? O que ficou de tudo o que abdicámos?
Ficou a adaptação. A certeza de que, enquanto humanos, nos dobramos e esticamos, nos encolhemos e viramos do avesso para sobreviver. Somos camiões de carga numa estrada de terra, avançamos, mesmo com medo, sem saber bem por onde vamos, mas sem parar de tentar. Entramos pelo desconhecido com a mesma coragem com que bebemos café numa tarde calma de sexta-feira. Fazemos o que for preciso. E isso é uma lição que devemos reter.
Ficou, também, o compromisso.
Já sabemos que a humanidade não melhorou com a pandemia e que quem não era boa rês antes, muito provavelmente até aguçou o espírito de malvadez. Todos conhecemos, durante este ano, aquela malta que defendeu a segregação dos maiores de 70 e dos doentes crónicos, porque a economia não podia parar toda SÓ por causa dos mais fracos. Ou aqueles que perpetraram diversas teorias da conspiração, ou que continuaram em almoçaradas e festas, à custa de milhares de mortos.
Mas também vimos o outro lado. Vizinhos a ajudarem os mais frágeis, músicos a darem concertos online, grupos a movimentarem-se para ajudar o comércio local, pessoas unidas num propósito comum. Vimos livrarias a doar livros, professores a dar aulas pela televisão, médicos, enfermeiros e auxiliares a sacrificarem tudo para ajudar os doentes. E vimos, muita gente, a tentar encurtar distâncias e reduzir dificuldades. Vimos uma boa parte do Mundo unida, num compromisso conjunto, em que cada um tentou ( e tenta) dar o seu melhor para derrotar este vírus e a solidão e dor que ele provocou ( e provoca).
Um ano depois, continuamos a não saber quanto caminho nos falta desta estrada sinuosa, mas sabemos já que a adaptação e o compromisso são as únicas formas de continuar em frente!
PA